quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Homens pobres e livres rebelam-se: Movimentos Sociais n século XIX


O Ronco da Abelha (1852 - 1853)


O movimento conhecido como Ronco da Abelha, ocorrido entre dezembro de 1851 e fevereiro de 1852, envolveu vilas e cidades de cinco províncias do Nordeste: Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Ceará e Sergipe, sendo mais forte nas duas primeiras províncias. Na Paraíba levantaram-se as vilas de Ingá, Campina Grande, Fagundes, Areia, Lagoa Nova, Lagoa Grande e Guarabira. Durante os levantes, os engenhos e vilas foram saqueados e os grandes proprietários, bem como as autoridades locais, tiveram que se refugiar para não serem linchados pela multidão.
Mas o que significava essa revolta? Por que, começou? O estopim da revolta foi o lançamento de dois decretos em junho de 1851. O primeiro decreto, o 797, tratava do recenseamento da população, e o decreto 798, tratava do Registro Civil, no caso de nascimento e óbito, anteriormente feito pela Igreja e que agora, passaria à responsabilidade de funcionários do Estado. O primeiro decreto relacionado ao censo deveria entrar em vigor no dia 15 de julho de 1852 e o decreto que versava sobre o registro civil de nascimento e óbitos no dia 1º de janeiro de 1852.
Declarando-se contrárias ao que chamavam de “Lei do Cativeiro”, as populações dos citados municípios, armados de cacetes, pedras, espingardas e mais o que estivesse ao alcance das mãos e pudesse ser utilizado como arma, partiram para arrebatar das autoridades, os livros de registros, para que os mesmos fossem examinados pelos padres. Tal procedimento leva alguns historiadores a verem neste movimento, bem como no, movimento Quebra-Quilos apenas o aspecto religioso.
Para se ter uma idéia da violência do movimento, vejamos a citação de Irineu Peneira Pinto extraída do Relatório do Presidente Sã e Albuquerque de 1952, sobre o ocorrido em um dos locais:
Na vila do Ingá um grupo de mais de 200 populares invadiu a casa do escrivão e apoderou-se de todos os papéis e livros que encontrou, com o fim de obter a lei ou regulamento acerca dos nascimentos e óbitos, e destruir tudo que existisse e dissesse respeito a este negócio. Frustrados nesta tentativa, os rebeldes invadiram a casa do delegado e de” outros distintos cidadãos amigos do governo” onde “estragarão as suas mobílias e praticavão outros actos de estúpida vingança.
(Cf. HOFFNAGEL, 1990, p. 47)
Aparentemente, esses decretos nada demais teriam a acrescentar que pudessem ser considerados como motivo para tamanha revolta da população. Para entender o que aconteceu ou porque aconteceu, vamos ter que analisar o quadro mais geral da região. Como já foi colocado desde o século anterior, a economia nordestina não estava bem, com muitas oscilações no seu principal produto de exportação, ou seja, o açúcar. Na verdade em meados do século XIX esta situação agrava-se, principalmente com o aumento das dívidas dos grandes proprietários de terra que, perdendo seu poderio econômico, perdiam também poder político junto ao poder central.
Com o endividamento, os grandes proprietários se viram obrigados a desfazerem-se de parte do seu capital “móvel”, no caso os escravos, que foram vendidos para a região Sudeste; gerando aqui, outro problema, a falta de mão-de-obra para a manutenção da grande lavoura de exportação, principalmente o algodão, que neste período, estava com preços em ascensão.
Se fazia necessário retirar mão-de-obra da agricultura de subsistência e desviá-la para as plantações de algodão. Era comum a reclamação dos grandes proprietários contra o que os mesmos consideravam como preguiça, “era preciso obrigar estes vadios a trabalhar”.
Justamente um ano antes dos decretos é assinada a Lei que proíbe o tráfico externo de escravos, aumentando o tráfico interno, e deixando os trabalhadores livres apreensivos, pois eles eram pobres, pois eles eram livres pobres, mas ainda eram livres e queriam assim permanecer.
As discussões em torno dos motivos que contribuíram para este movimento são inúmeras. O historiador Marc Hoffnagel, por exemplo, destaca como motivo para o movimento, principalmente, a questão econômica com a ascensão do preço do algodão. Hamilton Monteiro, contrariando Geraldo Joffily, aborda o movimento a partir de fatores externos, como a participação de elementos do partido de oposição, enquanto Geraldo Joffily aborda os aspectos internos dando relevância a organização interna e a visão dos pequenos proprietários que, segundo o mesmo, percebiam claramente as mudanças ocorridas no período e as perdas que estas mudanças estavam acarretando para eles.
Na verdade houve influência do partido de oposição ao governo no movimento, bem como de diversos outros fatores, porém o encadeamento das idéias torna-se lógico para o trabalhador livre da época.
Basta fazer a ligação entre a escassez de escravos, e discursos dos grandes proprietários exigindo leis que pusesse fim fq5jência ao trabalho e acabasse com a vadiagem além do aparecimento dos “famosos” decretos. Estava armado o palco para a transformação dos trabalhadores e dos seus filhos em escravos. Foi com este pensamento que o povo se levantou contra os seus inimigos imediatos, os grandes proprietários e as autoridades locais, representantes diretos do Estado que, segundo o pensamento reinante no movimento, tencionavam transformá-los em escravos.
Embora esse não fosse o objetivo do Império, ficava difícil convencer o trabalhador do contrário devido as experiências anteriores. Principalmente após a Guerra do Paraguai, onde a população pobre foi extremamente sacrificada. Com isto, o movimento foi se espalhando, “obrigando” o governo a utilizar um de seus principais mecanismos - de “convencimento” à população pobre: a Repressão.
Para reprimir o movimento, o governo mobilizou mais de mil soldados da polícia, além da convocação da Guarda Nacional e da utilização de padres Capuchinhos para prometerem a salvação a quem desistisse do movimento e o fogo do inferno a quem não se submetesse.
Apesar da ação enérgica do governo, ficava difícil a repressão porque não se identificavam os líderes, com isso o governo resolve “criar” os líderes. Muitas pessoas são acusadas, porém não se conseguem provas. Por fim, em 29 de janeiro de 1852, o governo imperial edita o decreto 907 que suspende o decreto 797 e 798. À realização do censo só irá ocorrer vinte anos depois e o registro civil só á implantado com o advento da República, quando ocorre a separação oficial entre Estado e Igreja.

Quebra-Quilos (1874 - 1875)

No dia 31 de outubro de 1874, tem início na Vila de Fagundes, comarca do Ingá, na Paraíba, durante a feira, uma discussão entre o arrematante de impostos que cobrava o chamado imposto de chão (que consistia em uma taxa de 100 mil réis, cobrada aos comerciantes, sobre qualquer mercadoria exposta no pátio das feiras), e os feirantes.
Besta discussão partiu-se para a violência e estava iniciado o movimento que ficou conhecido como Quebra-Quilos.
Devido as insatisfações de quase todos os setores sociais da região Nordeste, o movimento cresce e espalha-se pela Paraíba, sendo muito forte nas cidades de Campina Grande e Areia e ramifica-se para os Estados vizinhos, ou seja, Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte.
Em Campina Grande, o movimento tem início na feira do sábado 21 de novembro de 1874, onde os revoltosos, receberam as autoridades policiais a pedradas. Neste cenário,
Tomam os sediciosos conta da feira, passam livremente a quebrar as medidas arrebatadas aos comerciantes, a despedaçar as cuias encontradas em mãos dos vendedores retalhistas, a recolher os pesos de todos os tamanhos, atirados em seguida no Açude Velho.” (ALMEIDA, 1962, p. f47-148).
Isto significa dizer que foi um movimento único e coeso. Ao contrário, poderia se dizer que o mesmo se espalhou dentro da lógica do chamado efeito dominó, pois em cada semana o movimento se dava em um determinado local e a participação da população no mesmo também foi bastante diversificada.
Para alguns historiadores,, este movimento teve como principal motivo, a ignorância e o fanatismo religioso. Só a título de exemplo vejamos como o movimento é abordado por Elpídio de Almeida:
Foi um movimento sedicioso sem idealismo, selvático, sem orientadores conhecidos, sem chefes descobertos e responsáveis. Grupos de camponeses ignaros, a que se iam agregando desajustados e criminosos, saíram a invadir povoações, vilas e cidades, soltando os presos, perseguindo maçons, tomando dinheiro, ameaçando, destruindo peses.e medidas, incendiando os arquivos públicos.( Ibidem)
Um exame objetivo das mencionadas causas convence desde logo da improcedência de muitas delas, inclusive subrepticiamente no intuito de acobertar o verdadeiro motivo da mazorca.(...) Resta uma das causas apontadas, a do fanatismo religioso, que foi de todas á que influiu decisivamente no ânimo dos rebeldes. (ALMEIDA, 1978, p.150 -15 1)
Embora não haja um consenso sobre o motivo que propiciou o surgimento deste movimento, podemos afirmar que não houve um motivo específico e sim uma conjugação de fatores que acabaram por desencadear o mesmo.
Entre estes fatores podemos citar: a) A centralização administrativa promovida pelo Império que aumentou os impostos já existentes e criou novos impostos; b) A adoção do sistema métrico decimal uma “novidade” que era vista pelos trabalhadores pobres como nociva na medida em que era aproveitada pelos comerciantes para diminuir a quantidade de produtos comprados por estes trabalhadores; c) A mudança na lei do recrutamento militar. Estes fatores conjugados com a grande crise por que passava o Nordeste foram o estopim para a revolta.
Como eram crescentes as insatisfações, quase todas as camadas sociais da região acabaram se envolvendo no movimento, umas mais ativas que outras, dependendo do local e dos interesses envolvidos. Participaram do movimento os grandes proprietários, os políticos da oposição, parte do clero e os trabalhadores pobres. Obviamente que cada camada social tinha os seus motivos e os seus objetivos, porém uma participação tão
ampla fez com que o movimento tivesse maior repercussão que o movimento tratado anteriormente.
Vejamos os interesses de cada camada social envolvida:
1. Os grandes proprietários, quando não participaram diretamente do movimento, omitiram-se no apoio à repressão do mesmo. Isto porque estavam revoltados com o descaso do governo imperial para com a região, bem como discordavam da nova lei de recrutamento A república dos Coronéis e das oligarquias, conforme visto militar que não permitia a substituição do convocado para o serviço militar, por alguém indicado por este.
2. Os políticos da oposição utilizavam-se de todas as armas para desestabilizar os conservadores que estavam no poder. Neste período já havia sido lançado o Manifesto Republicano, e este movimento poderia muito bem ser utilizado para enfraquecer o governo.
3. O clero estava atravessando uma fase de turbulência com o governo, devido ao avanço da maçonaria e a prisão do bispo D. Vital.
4. Os trabalhadores pobres que compunham a imensa maioria dos rebeldes lutavam contra a cobrança exagerada de impostos, o que dificultava ainda mais a sua sobrevivência.
A cobrança de impostos era realmente abusiva, pois, além dos impostos criados pela coroa, existiam os impostos criados pela administração provincial, os da administração municipal e os abusos cometidos pelos cobradores, com o objetivo de aumentar o seu “salário”. Para se ter uma idéia, muitas vezes os impostos cobrados eram maiores que o valor das mercadorias, e cada vez que o vendedor mudasse de lugar, teria que pagar novo imposto.
Em quase todos os locais ocorreram fatos semelhantes, ou seja, a invasão das feiras com a quebra de pesos e medidas do novo sistema métrico decimal, destruição dos arquivos das câmaras municipais , coletorias, cartórios civis e até os papeis dos correios.
Embora, como já foi citado, diversos setores da sociedade tenham participado do movimento, a repressão, como sempre, acabou caindo sobre os trabalhadores pobres. E interessante perceber as contradições no discurso do historiador Elpídio de Almeida, facilitando a identificação de sua posição de classe. No início do seu texto sobre o movimento o historiador declara que “[...]foi um movimento sem chefes descobertos e responsáveis[. ..]”. Em seguida, no mesmo texto, para justificar a repressão ocorrida, ele afirma:
O cabeça,dessa selvageria foi João Vieira da Silva, vulgo João Carga d’Água. A frente de seu grupo, o mais numerosa, dirigiu-se no dia 26 primeiramente à coletoria das Rendas Gerais, repartição do governo provincial, depois ao cartório do tabelião Pedro Américo de Almeida, em seguida à casa da Câmara Municipal, por fim à agência do correio. (...). Na Paraíba, quem mais exaltado se torna é padre Calisto da Nóbrega, vigário de Campina Grande (ALMEIDA,1962, p. 147-151)
Para acabar com o movimento, o governo da Paraíba, já que não conta com o auxílio dos grandes proprietários de terras, pede auxilio do Império e também dos governos vizinhos, Pernambuco e Rio Grande do Norte, no que é atendido. A colaboração do Presidente da Província do Pernambuco Henrique Pereira de Lucena causa revolta na oposição liberal que o acusa de traidor do povo, já que o mesmo lutara na Rrevolata, reprimida pelos conservadores e agora enviava tropas para reprimir o movimento de Quebra-Quilos aliando-se aos conservadores.
A repressão ao movimento foi violenta, a ação das tropas foi do verdadeira selvageria, aplicada cegamente contra culpados ou inocentes como mostra José Américo de Almeida, no seu livro A Paraíba e seus Problemas, transcrevendo o depoimento do Deputado João Florentino em 1879:
Fizeram-se prisões em massa, velhos e moços, solteiros, casados e viúvos, todos acorrentados e alguns metidos em coletes de couro, eram remetidos para a capital. Alguns desses infelizes, cruelmente comprimidos e quase asfixiados, caíam sem sentidos pelas estradas, deitando sangue pela boca. (apud MONTEIRO, 1981, p. 71)
A repressão aos movimentos populares de forma violenta, nunca foi novidade na região. A novidade desta feita ficou por conta da invenção de um novo instrumento de tortura que, segundo consta, fora inventado pelo Capitão Longuinho, comandante de uma das colunas que seguiu para combater o movimento no interior: o colete de couro.
O colete de couro, que levou à morte João Carga d’Água, consistia em costurar-se ao tórax dos presos, muitos inculpados, uma faixa de couro cru, previamente molhada durante horas. A medida que o couro secava ia comprimindo o peito da vítima, cansando-lha muitas vezes morte torturante por asfixia. (ALMEIDA, 1962, p. 157).
Durante todo o império e até os dias atuais, continuaram e continuam ocorrendo conflitos relacionados aos problemas centrais que originaram estes movimentos, ou seja, descaso das autoridades e privação de qualquer forma de interferência das camadas populares na vida do país. Só utilizando a Repressão é que os governantes conseguiram e vem conseguindo manter a população à margem das decisões políticas e econômicas do Brasil.

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