A Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na Paraíba e a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB) deram o primeiro passo no processo de regularização da Comunidade Quilombola de Pedra D’Água, no município de Ingá, no Agreste paraibano, a 95 km de João Pessoa. A elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da área de aproximadamente 132 ha, onde vivem 98 famílias remanescentes de quilombo, foi fruto de um contrato firmado em março de 2008 entre o Incra-PB e a PaqTcPB para agilizar o processo de regularização de três comunidades quilombolas do Agreste paraibano, que somam 205 famílias: Matão, no município de Gurinhém, a 67 km de João Pessoa; Grilo, no município de Riachão do Bacamarte, a 98 km da capital paraibana; e Pedra D’Água.
O RTID da Comunidade Quilombola Matão foi publicado em novembro de 2009 e o RTID da Comunidade Quilombola Grilo encontra-se em fase de conclusão.
De acordo com a antropóloga Maria Ester Fortes, do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra-PB, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) é composto pelo Relatório Antropológico, que aponta os aspectos históricos e socioculturais da comunidade, bem como a relação deles com o território a ser delimitado, e ainda pelo Laudo Agronômico e Ambiental, pelo levantamento dominial do território, o cadastro das famílias pertencentes à comunidade e pelo Mapa e Memorial Descritivo da área.
O Relatório Antropológico da Comunidade Quilombola de Pedra D’Água foi elaborado pelo professor doutor em Antropologia Rogério Humberto Zeferino Nascimento, da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e sua equipe de alunos colaboradores. Após a conclusão do Relatório Antropológico, o Incra fez o cadastramento das famílias, o levantamento dos títulos incidentes no território, a delimitação do seu perímetro e os estudos ambientais para só então publicar o resumo do RTID no Diário Oficial do Estado (edições dos dias 9 e 10 de setembro) e no Diário Oficial da União (edições dos dias 14 e 15 de novembro).
Próximos passos
Com a publicação do RTID, já estão sendo contatados outros órgãos, como o Iphan, o Ibama, a Secretaria do Patrimônio da União, a Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional, a Fundação Cultural Palmares e a Funai, a fim de se verificar a existência de sobreposição do perímetro delimitado com áreas de interesse desses órgãos.
Os atuais proprietários das terras que são ocupadas pela comunidade, bem como os proprietários das áreas vizinhas, serão notificados e terão prazo de 90 dias para se manifestar.
A fase final do procedimento corresponde à regularização fundiária, que se traduz na concessão de um título coletivo e inalienável de propriedade à comunidade em nome de sua associação dos moradores e em seu registro no cartório de imóveis.
História contada pelos antigos
No trabalho de campo realizado pelo professor Rogério Humberto Zeferino Nascimento e por alunos da Unidade Acadêmica de Sociologia e Antropologia da Instituição foi observado que as 98 famílias da Comunidade Quilombola de Pedra D’Água se estabeleceram em uma área pequena e com terrenos muito íngremes, o que não impede o plantio de mandioca, feijão, fava, milho, inhame e a criação de gado e galinhas, mas que obriga as famílias a arrendarem terras vizinhas.
Muito da história da comunidade foi conhecida através de relatos dos moradores mais antigos, que contam que as famílias descendem de Manuel Paulo Grande, o primeiro a se estabelecer na região após ter fugido devido a sua participação no movimento Quebra Quilos - revolta ocorrida no Nordeste brasileiro, entre fins de 1874 e meados de 1875, contra a implantação de um novo sistema métrico.
Segundo Maria Ester Fortes, muitos laços unem as famílias, como a existência de redes de ajuda mútua entre parentes próximos e compadres durante os plantios e colheitas e ainda a produção coletiva de derivados da mandioca na casa de farinha.
“Uma parte das mulheres da comunidade se dedica ao artesanato, principalmente ao bordado labirinto. Mas, muitas técnicas ancestrais se perderam com o tempo, como a fabricação de utensílios de cerâmica, como potes, vasos e panelas”, afirmou a antropóloga.
Processo de Regularização Quilombola
As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o País existam mais de três mil comunidades quilombolas.
Para terem seus territórios regularizados, as comunidades quilombolas devem encaminhar uma declaração na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma Certidão de Auto-reconhecimento em nome da mesma. Devem ainda encaminhar à Superintendência Regional do Incra uma solicitação formal de abertura dos procedimentos administrativos visando à regularização.
A regularização do território tem início com um estudo da área para a elaboração do Relatório Técnico que identifica e delimita o território da comunidade. Uma vez publicado o seu resumo nos diários oficiais da união e do estado, notificados os interessados, atendidos os prazos legais para a contestação por parte dos mesmos e para o julgamento destas, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola. A fase final do procedimento corresponde à regularização fundiária, com a retirada de ocupantes não quilombolas através de desapropriação e/ou pagamento das benfeitorias e a demarcação do território.
Ao final do processo, é concedido um título coletivo de propriedade à comunidade em nome da associação dos moradores da área e feito seu registro no cartório de imóveis.
Atualmente, outros 20 processos para a regularização de territórios quilombolas encontram-se em andamento na Superintendência Regional do Incra na Paraíba.
De acordo com a presidente da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afro-descendentes da Paraíba (Aacade-PB), Francimar Fernandes, das 35 comunidades remanescentes de quilombos identificadas na Paraíba, 31 já possuem a Certidão de Autodefinição expedida pela Fundação Cultural Palmares.